Participantes do programa Colaboradora em atividade programática - Divulgação / Instituto Procomum
Participantes do programa Colaboradora em atividade programática ©

Divulgação / Instituto Procomum

Por Andrew Thompson
Publicado originalmente no Pioneers Post em 20 de agosto de 2020

Às vezes, uma mensagem de um estranho chega inesperadamente, com um timing quase perfeito. Essa é a história de um e-mail recebido por Catherine Rogers, diretora do Haarlem Artspace, centro de artes comunitário, localizado numa antiga oficina em Derbyshire, no Reino Unido. A mensagem veio do outro lado do mundo — da cidade portuária de Santos, no Brasil —, enviada por Georgia Nicolau.

Georgia é uma das fundadoras do Instituto Procomum, outra organização sem fins lucrativos, voltada para as artes e atuante em uma área conhecida como Baixada Santista. Seu objetivo era formar uma parceria para buscar apoio financeiro para um projeto junto ao Fundo DICE, do British Council. Pesquisando uma lista de pessoas que estiveram envolvidas em eventos do fundo DICE, Georgia encontrou o perfil de Catherine, leu uma postagem sua em um blog sobre como construir uma economia criativa, encontrou seu endereço de e-mail e enviou a mensagem.

Catherine explica que o e-mail veio do nada e chegou em sua caixa de entrada no momento certo. Ela já havia trabalhado com parceiros brasileiros, mas se frustrara por conta da abordagem um tanto impositiva na formação de empreendedores sociais e criativos. Buscava agora uma abordagem nova, algo diferente e mais colaborativo. “Recebi o e-mail de Georgia, dei uma olhada rápida on-line em seu instituto e pensei: — Aaaaaah! Este é exatamente o lugar que eu estava procurando, sem saber.” Georgia ficou impressionada com a rapidez e a positividade com que seu e-mail exploratório obteve uma resposta.

Em uma visita de avaliação a Santos, aconteceu o “clique” entre as duas organizações. O Instituto Procomum possui um espaço de 1.500 metros quadrados que abriga o Laboratório do Cidadão e uma ampla gama de artistas comunitários. Georgia diz: “Na verdade, não havíamos sentado para escrever a proposta. A visita de avaliação foi fundamental. Longas explicações foram desnecessárias — ela entendeu. Conversamos muito sobre o que compartilhamos em termos de valores, nossas práticas, nossos aprendizados e nossos sonhos.” Catherine descreveu o café da manhã no primeiro dia de sua visita como “o momento da faísca”. O que surgiu foi a Colaboradora, um projeto de incubadora de 12 meses, voltado para cerca de 20 jovens artistas e empreendedores, com destaque para mulheres, negros, indígenas, deficientes e brasileiros LGBTQ.

Atividade do programa Colaboradora realizada no Instituto Procomum, em Santos (SP), com recursos do Fundo DICE do British Council
Atividade do programa Colaboradora realizada no Instituto Procomum, em Santos (SP) ©

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Participantes do programa Colaboradora em atividade programática
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Simone Oliveira, outra gerente do Instituto Procomum, explica que a Baixada Santista pode ser um ambiente desafiador para artistas e empresários. É uma área urbana - uma faixa de terra litorânea que inclui Santos e outras oito cidades, com uma população total de cerca de 1,6 milhões de habitantes. Embora, na aposentadoria, muitos A beleza de um e-mail inesperado leva a uma colaboração entre Reino Unido e Brasil, envolvendo artistas e empreendedores idosos mudem para os apartamentos na beira-mar da Baixada, as oportunidades de emprego formal na área são limitadas, e a vida cultural parece esvaziada. Muitos jovens sobem o planalto até São Paulo, a maior e mais rica cidade do Brasil.

Os artistas e empresários da Baixada muitas vezes não têm confiança. Simone diz que a incubadora aborda esse ponto, oferecendo a eles um ciclo quinzenal de oficinas e oportunidades de mentoria, fornecendo as ferramentas de que precisam. As sessões de treinamento são colaborativas e adaptadas às necessidades dos participantes. Uma das treinadoras, negra e economista, usa letras de rap e música para envolver seu público. Georgia diz que o instituto trabalha muito contra a insegurança e a baixa autoestima, pois muitos dos artistas ouviram durante toda a vida que eles não tinham muito valor — ouviram isso do estado, da sociedade e, às vezes, até de suas próprias famílias. Ela ressalta que “muitas dessas pessoas foram expulsas por serem gays, ou passaram por violência, ou eram pobres ou trans, ou seus pais eram viciados em drogas, sofrendo também o racismo estrutural que temos aqui no Brasil.”

Uma forma de medir o sucesso do projeto é sondar se seus artistas adquirem, de fato, confiança. Georgia conta a história de Maria Silvino, cantora e performer trans. Quando chegou ao instituto, Silvino sabia que queria cantar, já havia até registrado uma pequena microempresa, mas não se via realmente como empresária e tinha profundas dúvidas sobre como o aspecto empresarial de seus shows seria organizado. Encorajada pela formação no instituto, ela logo desenvolveu a confiança para se descrever como artista e produtora cultural. Pôde elaborar um protótipo de suas apresentações no espaço do laboratório do instituto, construiu um portfólio e garantiu espaços de apresentação em Santos, bem como uma residência em São Paulo. Em dezembro, Maria participou de três mesas redondas, uma performance e dois shows, usando as redes sociais para postar seus agradecimentos ao Instituto Procomum, que lhe deu “autoestima e acesso às informações de que precisava para abordar essas produções”.

Uma característica particularmente interessante da Colaboradora é a utilização do conceito de banco de tempo. Embora funcione como escola gratuita, cada participante deve doar 10% do seu tempo, ou quatro horas semanais, para tarefas colaborativas, seja para ajudar outros alunos ou para o próprio Instituto. Um exemplo é uma mãe solteira do programa, que trabalha como MC em uma boate à noite: valendo-se de parte de seu crédito do banco de tempo, ela consegue que outras alunas lhe prestem serviço como babás. Da mesma forma, outros participantes podem oferecer seu tempo para trabalhos de limpeza e manutenção no Laboratório. Esse conceito de moeda social é visto como uma forma de estimular uma economia de compartilhamento, impulsionando a atividade social e criativa em áreas, em geral, carentes de financiamento.

Catherine diz que seu envolvimento com o Procomum trouxe enormes benefícios e ofereceu novos insights sobre o que ela busca realizar em Derbyshire. “Criamos uma janela por onde observar nossas operações, e esse compar-tilhamento é muito, muito importante”, diz ela. Embora as duas organizações artísticas estejam trabalhando em contextos diferentes, ambas se dedicam a engajar e apoiar pessoas que não têm voz. “Trabalho com muitos artistas e empreendedores criativos aqui na Inglaterra e estamos vivenciando uma grande confusão, adotando uma men-talidade de ilhota voltada para si, e isso é muito perigoso”, diz Catherine. “Portanto, o que aprendemos com nossos amigos no Brasil é, de fato, imenso. E a DICE realmente facilitou esse aprendizado.”

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