Anúncio do grupo de empreendedores apoiados pela Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP) em São Paulo (SP) - Foto: Marco Torelli
Anúncio do grupo de empreendedores apoiados pela Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP) em São Paulo (SP) ©

Marco Torelli

Por Andrew Thompson
Publicado originalmente no Pioneers Post em 11 de março de 2021 

Marcelo Rocha, que começou como disc-jockey e é mais conhecido como DJ Bola, explica que o empreendedoris-mo social e criativo surgiu, entre aqueles que vivem no que ele chama de fundo fim da pirâmide social, como uma resposta às difíceis condições da periferia das grandes cidades brasileiras.

Em 1999 - há 20 anos -, ele participou da criação de uma organização chamada A Banca, oriunda do Jardim Ângela, bairro pobre da periferia de São Paulo, a maior cidade do país. “Na década de 1990, o Jardim Ângela era o lugar mais violento do planeta, segundo estatísticas das Nações Unidas”, afirma. Foi, e ainda é, lar de algumas das regiões mais carentes de um país que apresenta desigualdades significativas em termos de renda e riqueza. A ideia da nova organização era usar música, cultura Hip Hop, educação popular e tecnologia como forma de promover inclusão social e empreendedorismo.

A Banca busca capacitar as comunidades locais e apoiar empresas iniciantes. “Procuramos treinar a população local, auxiliando-a a realizar seus sonhos de quebrar barreiras e execer um impacto social e ambiental positivo, conectando-os com pessoas que tentam mudar as coisas em outras periferias”, diz DJ Bola. Embora organizações externas possam e venham à comunidade oferecer auxílio, e isso é sempre bem-vindo, DJ Bola insiste que o verdadeiro foco de A Banca é, acima de tudo, apoiar e capacitar as comunidades locais para que possam ser protagonistas e líderes na busca pelas soluções para seus próprios problemas. “O que fazemos é como criar microrrevoluções na base da pirâmide social”, acrescenta.

Três outras organizações se juntaram à Banca para co-projetar e levar a cabo o presente projeto, financiado pelo British Council (DICE), no sentido de encorajar o empoderamento da comunidade. Artemisia é uma aceleradora sem fins lucrativos, criada em 2004, para ajudar e promover negócios de impacto social. Afirma que, desde a sua criação, acelerou mais de 180 empreedimentos e formou mais de 500 empreendedores sociais criativos. Sua página virtual interpela corajosamente seus beneficiários com uma mensagem otimista: “entre ganhar dinheiro e mudar o mundo - escolha os dois”. Outro parceiro é o Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios (CENN) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A FGV é uma das mais conhecidas escolas de negócios e think-tanks do Brasil. Assim como a Artemisia, o CENN também foi criado em 2004, com a missão de estudar e promover o empreendedorismo social no Brasil. Juntas, A Banca, Artemisia e a FGV-CENN criaram um programa conjunto de aceleração de abertura de empresas na periferia urbana de São Paulo, conhecido como Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP).

Marcelo Rocha, o DJ Bola - Foto: Marco Torelli
Marcelo Rocha, o DJ Bola ©

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Evento “Criando Pontes” realizado em São Paulo (SP), em 16 de abril de 2019 - Foto: Marco Torelli
Evento “Criando Pontes” realizado em São Paulo (SP), em 16 de abril de 2019 ©

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Há dois anos, a ANIP oferece um programa acelerador para negócios locais. No atual ciclo, um total de 177 empreendimentos sociais candidataram-se para participar do programa. Trinta foram escolhidos para reuniões presenciais e oficinas, e, a partir desse processo, dez foram selecionados para se beneficiar do programa completo, que inclui treinamento, mentoria e um aporte de capital inicial de R$ 20.000 (£ 3.750 ou US$ 4.875). Ao longo dos dois anos de programa, 20 startups receberam um total de R$ 400 mil (£ 75 mil).

Uma ampla gama de startups está envolvida. Para serem selecionados, elas precisavam operar na periferia de São Paulo, em comunidades de baixa renda, já estar em pleno funcionamento e ter um propósito ou impacto social ou ambiental demonstrável.

A JAUBRA, uma das iniciativas a entrar no programa de aceleração, oferece um serviço de transporte, com uma diferença: enviará táxis para buscá-lo ou deixá-lo em bairros considerados inseguros demais para serem atendidos por outras empresas de táxi ou plataformas online. A empresa possui 50 motoristas locais e cobra tarifas altamente competitivas, além de oferecer a chamada “carona compartilhada”, de forma a manter o transporte o mais acessível possível.

Outra empresa — Enjoy — organiza entregas semanais de vegetais e alimentos orgânicos para moradores de fave-las. HOTD (acrônimo para Have Options to Dress) gerencia um guarda-roupa virtual de estilo cooperativo onde os membros podem emprestar até 12 conjuntos de roupas diferentes por mês. A Kitanda das Minas, no estado de Minas Gerais, oferece a mulheres negras e imigrantes locais a oportunidade de trabalhar vendendo comida af-ro-brasileira aos funcionários de várias empresas. O LiteraRua é um coletivo de escritores e produtores culturais, inspirados em histórias em quadrinhos e no rap, que busca divulgar e apoiar autores locais.

A quarta organização envolvida no projeto ANIP é a Global Urban Design (GUD), startup sediada no Reino Unida e criada por Jacqueline Bleicher, arquiteta, autora e especialista em design comunitário com mais de 15 anos de experiência profissional na área. Em agosto de 2019, Jacqueline foi uma das palestrantes no Fórum de Negócios ANIP. Na ocasião, ela tratou da experiência de criação de sua própria startup, aconselhou os participantes em relação a temas como habilidades empresariais e processos criativos e explicou a disseminação de empresas sociais no Reino Unido e em todo o mundo. Ela ficou impressionada com a forma como o Fórum promoveu uma discussão aberta e inclusiva não só entre empreendedores oriundos de São Paulo, mas também de outras partes do país e do exterior. Jacqueline acrescenta: “O que também pode ter me tornado atraente como palestrante é o fato de eu ser uma mulher negra. Havia várias mulheres negras no conselho internacional, atuando como mentoras. É muito importante, ao participar desse tipo de evento, ver pessoas que se parecem com você e que foram capazes de prosperar.”

O projeto está funcionando? Dada a alta taxa de atrito que abarca todo novo negócio (não apenas empresas sociais), talvez ainda seja muito cedo para se chegar a conclusões concretas. Mas as indicações iniciais são muito positivas. DJ Bola aponta que todas as 20 empresas sociais que passaram pelo programa acelerador ainda estão em atividade. Jacqueline diz: “havia muito burburinho, muito  entusiasmo e uma energia realmente positiva ali, além de uma fome por conhecimento”.

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