Por Andrew Thompson
Publicado originalmente no Pioneers Post em 13 de agosto de 2020
Começar um novo negócio com enfoque social e criativo é um trabalho árduo, mas também profundamente estimulante. Não surpreende que, em um país como o Brasil, o desafio atraia um grande número de homens brancos jovens, bem-educados e relativamente afluentes, recém-saídos da universidade. Estatisticamente falando, mulheres, negros e mestiços de comunidades pobres estão menos representados no mundo das startups. No entanto, pode-se argumentar com convicção que os novos empreendimentos sociais são mais eficazes precisamente nessas áreas mais marginalizadas e nas comunidades mais pobres. O que deve ser feito para garantir que uma proporção maior de empreendimentos com ênfase social e criativa sejam fundados e capitaneados por membros de comunidades tradicionalmente excluídas?
A pergunta foi proposta por Marcos Primo, coordenador que trabalha no Porto Digital, parque tecnológico e empresarial de Recife, capital do estado de Pernambuco. O Porto Digital é um dos principais centros de tecnologia e inovação do Brasil, atraindo startups envolvidas em software, videogame, animação, música, fotografia, design e cidades inteligentes. Atualmente, abriga 316 empresas que empregam 9.000 pessoas e tem planos ambiciosos para dobrar de tamanho nos próximos cinco anos. Com o apoio do fundo DICE do British Council, Marcos está administrando o Ressignifica, programa em várias fases que atua para estimular o empreendedorismo social em comunidades locais de baixa renda.
Quatro comunidades locais com altas taxas de desemprego foram identificadas. “Trabalhamos com organizações da comunidade local e investidores para identificar e recrutar pessoas para os programas. Numa das comunidades, não encontramos nenhuma organização local e acabamos recrutando as pessoas uma a uma”, afirma Marcos. Sessenta por cento das vagas do programa foram reservadas para mulheres: o processo de recrutamento também buscou atrair pessoas negras, entre outros grupos pouco representados.
Em uma primeira fase, a Signifier, sediada no Reino Unido, conduziu oficinas de uma semana nas comunidades, discutindo questões como autoestima, empoderamento e privilégio. Signifier é uma consultoria especializada em ajudar organizações culturais e criativas a terem sucesso na área de diversidade e inclusão, especialmente para aquelas frequentemente excluídas das oportunidades econômicas convencionais. Em uma segunda fase, o Porto Digital criou oficinas de negócios e economia para as comunidades. Numa terceira fase, participantes de posse de ideias para empreendimentos beneficiaram-se de um programa de formação e oficinas de 10 semanas, no Porto Digital, denominado Mind the Bizz, que buscou desenvolver e reforçar as iniciativas dos participantes. Finalmente, em uma fase adicional (não projetada originalmente no início), um grupo de 12 startups selecionadas Diversificando o Vale do Silício brasileiro: pólos de inovação impulsionam startups em comunidades locais está recebendo mais apoio e incubação para transformar suas ideias em planos de negócios viáveis.
Ben Ryan, da Signifier, explica que sua organização precisou ajustar a abordagem, pois pela primeira vez trabalhavam em um ambiente onde as oficinas, que exigem muita interatividade, empatia e sentimento, não podiam ser ministradas em inglês. Havia, portanto, o perigo de que os consultores pudessem comparecer ao local, fazer uma apresentação traduzida seca e logo escapulir, o tipo de processo “que não contribui para a sustentabilidade e talvez seja até um pouco colonial”. A solução foi capacitar os intermediários comunitários para que eles próprios realizassem as oficinas em português. “Os intermediários têm uma relação real e contínua com suas comunidades; além disso, têm a linguagem, o tom e o humor para ministrar as oficinas com eficácia”, diz Ben, acrescentando que o resultado foi “um sucesso fenomenal: ao final das sessões, as pessoas choravam, riam, se abraçavam, cantavam e dançavam . Acho que alcançamos o senso de empoderamento e igualdade social e econômica que buscávamos”.
Marcos diz que as oficinas da Signifier elevaram suas atividades para um novo padrão e criaram uma verdadeira sensação de impulso e progresso, que, no entanto, diminuiu um pouco devido a uma pausa antes da próxima fase do programa. Um ponto de aprendizagem nesse caso é que muitos dos participantes têm uma visão de curto prazo e que certo gerenciamento de expectativas se faz necessário. Os aspirantes a empreendedores sociais têm tempo limitado para lançar seus empreendimentos e podem ser desviados de seu propósito por conta das demandas implacáveis do dia-a-dia, como ganhar a vida ou cuidar dos filhos.
Mesmo assim, Marcos se maravilha com a criatividade das ideias que surgiram da experiência. Uma startup propõe a reciclagem de óleos de cozinha, amplamente usados e descartados como lixo por restaurantes, residências e empresas locais. A proposta é que os óleos descartados sejam reciclados como sabão. As empresas e pessoas físicas que coletam o óleo residual serão reembolsadas com o próprio produto, recebendo sabão líquido. Entre as outras propostas estão planos para criar videogames que reflitam com mais precisão a cultura do Nordeste do Brasil; um aplicativo para estimular o aprendizado escolar; uma empresa que produz tambores tradicionais e instrumentos de percussão; um coletivo de fotografia; e uma startup que organiza eventos sociais e shows.
Marcos afirma que “o meu sonho é que, dentro de dois anos, haja startups de base comunitária, oriundas do programa DICE, a trabalhar no parque tecnológico do Porto Digital, provando não apenas que podem ser negócios sustentáveis que criam empregos, mas também desempenham um papel exemplar para o que pode vir a ser alcançado”. Ele reconhece que os forasteiros por vezes podem ser arrogantes, supondo que têm a solução para os problemas de comunidades que não entendem totalmente. “Na minha opinião, é um processo de aprendizagem, e o ponto-chave é capacitar as comunidades para encontrar suas próprias soluções. Os intermediários e organizações como Porto Digital e Signifier são apenas facilitadores.” Ele ainda acrescenta que as comunidades em Recife, na África e na América Central podem ter diferentes tipos de problemas, mas que o modelo para capacitá-los e apoiá-los no sentido de resolver esses problemas é replicável em todo o mundo. Ben concorda, afirmando que, para ele, “ligando os pontos” no projeto, torna-se claro que todos os protagonistas passaram por um processo de “reenquadramento de mentalidade” e descolonização do espaço para possibilitar uma abordagem mais colaborativa.