Empreendedoras da Rede Asplande no evento Criatividade para Inclusão Social e Econômica, realizado no dia 4 de março 2020, no Rio de Janeiro, na Casa Firjan, como uma correalização entre British Council e Firjan - Maçã Verde Filmes
Empreendedoras da Rede Asplande no evento Criatividade para Inclusão Social e Econômica, realizado no dia 4 de março 2020, no Rio de Janeiro, na Casa Firjan, como uma correalização entre British Council e Firjan ©

Maçã Verde Filmes

Por Andrew Thompson
Publicado originalmente no Pioneers Post em 10 de setembro de 2020

Se você vem de uma família de baixa renda no Brasil e se é uma mulher negra, suas chances de progredir na vida podem ser bastante limitadas. As estatísticas mostram que você pode enfrentar uma tripla discriminação, por conta de sua classe, seu gênero e sua raça. Em comparação com as médias de toda a população, suas probabilidades são menores em termos de emprego, de acesso a serviços sociais e de elevação de seu padrão de vida. Por outro lado, é mais provável que você não tenha concluído os estudos, que esteja desempregada e que viva em favelas.

Elevar as condições de vida das mulheres negras depende em parte de mudanças de longo prazo relacionadas a políticas governamentais. No entanto, equipar essas mulheres com as habilidades necessárias para criar empresas com enfoque social e criativo também é um importante caminho a seguir. É isso que está no cerne de um projeto financiado pelo fundo DICE (Developing Inclusive and Creative Economies - Desenvolvendo Economias Inclusivas e Criativas), do British Council, desenvolvido por meio de uma colaboração entre duas organizações: a Asplande, no Brasil, e a Social Starters, no Reino Unido.

A Asplande (sigla para Assessoria & Planejamento para o Desenvolvimento) foi criada em 1992 com o objetivo de ajudar grupos de baixa renda, principalmente famílias chefiadas por mulheres, a estabelecer organizações comunitárias e cooperativas. Com sede no Rio de Janeiro, concentra-se na construção do que descreve como redes sociais e democráticas. As iniciativas incluem Belezas da Favela (grupo que une varejistas locais de cosméticos), Favela Gourmet (rede de empresas de cozinha e serviços de bufês) e a Rede Cooperativa de Empreendimentos Sociais, associação de empresas sociais lideradas por mulheres.

Há também grupos de apoio mútuo para empresários envolvidos em outras atividades, como artesanato, costura e produtos de saúde e atividades físicas.

A Social Starters, por outro lado, é uma incubadora e consultora com sede no Reino Unido, voltada para startups sociais em diferentes países ao redor do mundo. Tem como objetivo trabalhar com jovens, estimular a criatividade e a diversidade e promover a sustentabilidade ambiental. Descreve-se como uma pequena equipe de empreendedores sociais, profissionais de marketing e finanças de caridade que trabalham remotamente, a baixo custo. Sua crença central é a de que “empreendimentos orientados para o social representam o futuro sustentável”.

As duas organizações apoiam conjuntamente empreendedoras negras no Rio e áreas vizinhas. O projeto é conhecido como Incubadora de Impacto Social para Mulheres e desenvolveu um trabalho envolvendo dois grupos de aproximadamente 30 mulheres empreendedoras, em que cada uma delas se beneficiou de um programa de apoio pelo período de seis meses. Esse apoio dividiu-se em vários componentes, incluindo três meses de treinamento empresarial, compartilhamento de habilidades e orientação com especialistas empresariais, acesso a espaços de trabalho, revisão por pares e financiamento inicial. Aliado a isso, há um programa de marketing e publicidade que busca dar visibilidade às mulheres envolvidas, ajudando-as a construir contatos com potenciais investidores e parceiros de negócios. Três mulheres do primeiro grupo também passaram uma pequena temporada em Londres, em novembro de 2019, participando da semana de Empreendedorismo Global.

De acordo com uma pesquisa realizada pelos organizadores, pouco menos da metade das mulheres do primeiro grupo não tinha concluído os estudos; duas em cada três eram solteiras, divorciadas ou viúvas; o pequeno negócio era a principal fonte de renda para a maior parte das envolvidas, embora algumas tivessem outras ocupações de meio período. Nem todas as empresas estavam formalmente registradas, mas havia uma convicção generalizada - por parte de quase 90% das entrevistadas - de que essas pequenas empresas tiveram um impacto social positivo. Também ficou claro que havia necessidade de desenvolver habilidades comerciais mais nítidas.

Duas em cada três participantes não tinham um plano de negócios ou marketing; quase metade das mulheres disse que não saberia como buscar investimento para sua empresa. Muitas afirmaram não ter certeza sobre como definir o preço de seus principais produtos. A maioria trabalhava em casa, usando computadores e smartphones para administrar os negócios. Todas tinham acesso à internet e duas em cada três vendiam seus produtos on-line.

Jiselle Steele, da Social Starters, explica que há, no Brasil, uma grande lacuna entre os diferentes tipos de empreendedores sociais. Pessoas predominantemente brancas e relativamente ricas com histórico de classe-média costumam fundar startups como uma escolha de carreira, impulsionadas por uma nova ideia ou oportunidade de negócio. Por outro lado, muitas das mulheres negras de baixa renda no programa tornaram-se empreendedoras sociais não por escolha, mas por necessidade, na ausência de outras alternativas de emprego, como uma técnica de sobrevivência. Muitas dirigem negócios sem sequer se enxergarem como empreendedoras sociais. Jiselle diz que a reunião inaugural da primeira corte, realizada no impressionante centro We Work, no Rio, foi emocionante e bastante comovente. “Ter todas aquelas mulheres juntas em um espaço de coworking pelo qual elas normalmente não poderiam pagar jogou o orgulho delas lá para cima, reafirmou seu papel como empreendedoras sociais e foi realmente inspirador”, comenta Jiselle.

Como parte do processo, as mulheres apresentaram propostas de negócios de três minutos para um painel de jurados. Cada proposta tinha de expor a ideia do negócio, os detalhes do produto, o mercado em vista e um plano de expansão. As propostas do primeiro grupo abrangiam uma ampla gama de atividades, incluindo alimentação e restaurantes, consultoria, turismo e artesanato. Os produtos e serviços oferecidos por essas empresas sociais e criativas incluíam cosméticos orgânicos, sabonetes, bolsas africanas, promoção de arte em escolas locais, agricultura orgânica, exames de visão de baixo custo, fisioterapia, confeitaria e serviços de cuidados para a terceira idade.

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